terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Charles robert Darwin - 1809 a 1882





Este ano, intitulado o ano de Darwin, não poderíamos deixar de postar algo aqui no Blog, então segue uma matéria que saiu na Folha de São Paulo, talvez de pra dizer que se confunde filosofia com religião, porém leia e tire suas conclusões.




DARWIN E A FILOSOFIA


A obra de Darwin ( a origem da espécies) é um marco do pensamento humano. Mas seu verdadeiro impacto muitas vezes se perde na polêmica estéril entre fundamentalismo e cientificismo.

Para o cristianismo, a teoria da evolução mostrou os limites de uma interpretação literal da Bíblia (abrindo espaço para a hermenêutica contemporânea dos textos bíblicos) e de um "deus das lacunas", invocado para explicar, de forma quase mágica, as lacunas em nosso conhecimento sobre a realidade ("Deus quis...", "Deus fez..."). Por essa razão, evidencia-se a necessidade de a reflexão religiosa dialogar com o conhecimento científico e de a relação entre o cristianismo e a ciência não poder se orientar pelo fundamentalismo.

Mas Deus, por definição, é um ser que está fora do âmbito da investigação científica. Diante da seleção natural, pode-se dizer: "É evidente que somos obra do acaso" ou "Que mecanismo maravilhoso Deus utilizou para nos fazer!". Esperar que a ciência diga qual a frase correta é cientificismo -uso inadequado e desmedido dos resultados do método científico.

A grande questão com que a teoria da seleção natural sempre nos desafiou é saber até que ponto o homem racional, que se declara capaz de se autoconstruir pela cultura e pelo livre-arbítrio, é descrito e definido pelo bicho-homem, que se esconde nos subterrâneos do inconsciente e que pode estar nos guiando em um processo determinado por genes e pressões seletivas.

Trata-se de um problema crucial numa época em que ocorre uma naturalização da moral, a qual procura validar toda tendência instintiva, desde que não afete a individualidade do outro, enquanto a capacidade de autoconstrução da pessoa justifica o descolamento entre condutas e dados biológicos -como na discussão sobre "gênero" e "sexo".

O debate sobre a aplicabilidade ou não dos princípios da seleção natural ao ser humano levou muitas vezes a resultados que hoje parecem risíveis. Por exemplo, explicar as desigualdades sociais dizendo que os "mais aptos" enriquecem e que os "menos aptos" vivem na penúria (antessala da eliminação por seleção natural); ou utilizar a forma do crânio para a identificação de criminosos potenciais.

Teorias como essas subestimavam o peso da história e da cultura e não se sustentaram diante de pesquisas mais precisas. Contudo, ciências como a sociobiologia e a neuropsicologia continuam acumulando evidências da impossibilidade de nos descolarmos de nossa biologia e de nossa evolução. Mesmo o amor mais sublime ou o mais elevado altruísmo, para se fixarem como comportamentos humanos, tiveram de se tornar viáveis para a sobrevivência do homem primitivo e permanecem provocando reações fisiológicas passíveis de serem analisadas em laboratório. Até que ponto essas descobertas podem ser usadas para orientar as condutas humanas?

Nos mamíferos, por exemplo, o processo reprodutivo, com a gestação intrauterina e a necessidade de cuidados relativamente intensos com a prole, levou à seleção de machos que produzem um número elevado de espermatozoides, que frequentemente fecundam muitas fêmeas e que têm o vigor físico necessário à proteção e à alimentação das fêmeas e suas proles. Já as fêmeas produzem poucos óvulos e desenvolvem características que lhes permitem maximizar sua capacidade de gerar e nutrir a prole.

Esses dados são comuns a grande parte dos mamíferos e se aplicam à espécie humana, mas poucas pessoas os utilizariam como justificativa para o machismo e a opressão da mulher. Contudo, até que ponto podem explicar diferenças comportamentais entre os sexos? E, se explicam, que consequências isso traz para a ética e para a moral?

As respostas a essas perguntas não podem ser encontradas nas ciências.

Elas exigem uma reflexão sobre o significado da vida humana, sobre a busca de realização dos desejos mais profundos do nosso coração. Não se trata de pieguice ou de abstrações. Darwin, querendo ou não, mostrou que a religiosidade moderna não podia ser fundamentalista, mas devia se abrir aos desafios da razão. No entanto, também lançou os pilares para perguntas que a ciência não pode responder e que nos obrigam a enfrentar questões seculares da filosofia e da teologia.

Folha de S. Paulo - 26/02/2009

FRANCISCO BORBA RIBEIRO NETO , biólogo e sociólogo, coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), foi por 20 anos professor na PUC-Campinas, onde lecionou ecologia e evolução. Atualmente dedica-se à área de bioética, sendo um dos organizadores do livro "Um Diálogo Latino-Americano: Bioética e Documento de Aparecida"


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